António Variações: A voz que ecoa no tempo.
"Diz-me que solidão é essa, que te põe a falar sozinho. Diz-me que conversa estás a ter contigo" (António Variações)
3 de Dezembro de 1944, Fiscal, concelho de Amares: nasce António Joaquim Rodrigues Ribeiro. Precisamente há 80 anos que uma das vozes portuguesas mais icónicas imitiu o seu primeiro som, na ignorância de que um dia seria imortalizado.
No palco da música portuguesa, há nomes que desafiam o tempo e se tornam eternos. António Variações é, sem dúvida, um desses artistas. Mais que a sua composição e musicalidade, ele foi a força da natureza que desafiou a sociedade da sua época, marcando os anos 80 em Portugal e que, ainda hoje, continua a inspirar gerações.
Falar de António Variações e o seu legado, é falar na sua criatividade e coragem de misturar o pop, o rock e as suas raízes portuguesas, ou seja, o fado. As suas letras falavam-nos de amor, de liberdade e do eterno conflito de ser fiel a si mesmo.
Para quem viveu intensamente, o tempo era precioso. Se olharmos a sua discografia, ela não é muito extensa, mas nomes como “O Corpo é que Paga”, “Estou Além”, “Canção do Engate” entre outros, tornaram-se sonantes e o seu autor, inconfundível, pois as letras canalizam a alma de Variações, da sua intensa busca pessoal numa sociedade em transformação.
António não foi uma pessoa compreendida, ou melhor, totalmente compreendida no seu tempo, mas isso nunca o impediu de continuar a ser fiel a si próprio, de expressar a sua genialidade. Lutou contra o estigma da sociedade, contra a imagem comercial que lhe queriam impor.
Mas, António Joaquim Rodrigues Ribeiro, ou seja, António Variações, tornou-se um nome ainda mais sonante que a sua própria música, um nome que estará para sempre ligado à coragem e fidelidade da sua essência queer.
Se a sua música traduzia aquilo que ansiava, a sua imagem era a projeção de quem sabia viver fiel a si próprio, destruindo muros e estereótipos numa sociedade retrógrada portuguesa. António procurava viver a sua verdade, apresentando-se como alguém original, que fugia das normas. E, sem saber, tornava-se, para muitos, um ícone queer, uma referência, alguém que decidira abrir as portas para que outros pudessem ter a coragem de viverem a sua própria essência.
Não sei ao certo quando Variações entrou na minha vida, mas quando entrou, criou uma revolução dentro de mim. Tenho escrito, nas diversas vezes que falo sobre ele, que muitas vezes me comparam a esse ícone. E ainda que alguns pensem, nunca ambicionei ser uma cópia, mas sou a cópia da sua força de viver a sua verdade. E esta força que nos unia, ainda que nunca tenha tido a sorte de o conhecer em vida, marcou-o na minha vida com uma força abrupta. As nossas formas de viver a vida, marcaram-nos a fogo, como se caminhássemos lado-a-lado, lutando por derrubar barreiras, estereótipos, pensamentos.
António terá tido a sorte de fugir de Fiscal e ter encontrado na “grande cidade” o refúgio ideal, o espaço necessário para iniciar a sua revolução. Eu, por outro lado, permaneço no esquecido centro do país, rodeado de vales e montanhas. Mas é aqui que eu sinto que a minha luta faz sentido. É aqui que sinto que tenho de realizar este abrir de portas para uma sociedade ainda fechada para a liberdade de cada um. É aqui que ainda faz sentido não baixar os braços, não esmorecer. É aqui, onde as músicas de António Variações chegaram, mas não foram compreendidas, que ainda faz sentido cantá-las. É aqui, onde a imagem de António Variações chegou e foi mal interpretada, que urge a necessidade de a fazer compreender.
António Variações é um ícone da música portuguesa, mas também da cultura queer em Portugal. Nesta data em que celebramos o seu 80º aniversário, urge ainda mais a necessidade de voltarmos a olhar para ele, não hoje, não ontem, mas em todos os dias. É necessário reconhecermos o homem que influenciou gerações todos os dias. É preciso lembrá-lo, celebrá-lo, honrá-lo. Acredito que se hoje fosse vivo, a sua mensagem seria: “Vivam de forma verdadeira, vivam a vossa essência!”
Porque cada tom conta uma história única.
Ismael